segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

"Forças terríveis se levantaram contra mim"



Estou cheio de um "não eu", mas tão cheio, que já não sei que eu que sou. Já não como o que comia, não bebo o que bebia nem falo o que falava. Já não falo. Não argumento, nem tento resolver. Deixo estar. Seguro o nó dolorido na garganta que me dá ânsia e dói. Dói bastante engolir palavras, ainda mais as ásperas. É esse meu banquete diário, quilos e mais quilos de palavras engolidas a seco. Mas quando engasgo cuspo tudo fora, de uma vez, sem pena nem ideia do que faço. Dá vontade de se rasgar inteiro pra deixar as palavras vazarem. Mas elas não vazam, porque já estão pastosas. São o fungo que me consome e me assusta todo dia, esse "não eu" fantasmagórico, que me faz ter pesadelos, sonhar com cães raivosos e mundos alternativos. É essa espinha gigante e enorme que tenho nas costas fazem anos. É minha dor nas pernas, nas costas, meu pulmão cheio de catarro. É um câncer terrível. Uma doença tão comum e ridícula que me sinto um idiota de ter pegado. Um imbecil que jogou mil vidas no lixo e milhões de palavras pra arder no ácido do estômago. Tentei até botar o dedo na goela e vomitar anos e anos de palavras mofadas, esquecidas, daquelas que fedem de tão podres. Mais eu não posso. Sou doente da vontade. Tenho a vontade fraca, assim como fígado. A sede do "eu mesmo" me faz beber litros, e rir e chorar, mas não afoga esse "não eu" maldito. Persistente, de fato. Resiste as todas as tentativas de limpeza e purificação. Droga cativa de cabeceira, que me faz dormir e me acordar. Às vezes de bom humor.